Era impossível para mim manter o foco da visão longe daqueles braços bronzeados. Havia neles tanta espontânea delicadeza que, se eu ousasse tentar desviar, meu coração seria capaz de palpitar, palpitar, palpitar... Parar! Num ataque fulminante. Não podia, era demais. Da penumbra do meu antigo apartamento jamais poderia admirá-los assim tão de perto.
Admirá-la inteira. O cabelo pincelado em mel, penteado em traças nos dias de sol, ou com apenas um grampo de borboleta nos de chuva; um dia, no parque de diversões, arriscou uma tiara amarela, estampando um sorriso para mim ao perguntar: "é bonita a cor, tio?"
Nunca perguntava se estava bonita, se era bonita. A cor da tiara era bonita, ela mesma não se importava com ser.
Entre os de sol e de chuva, ela preferia os de sol, porque podia se estender no gramado do quintal e ler revistas feitas para as pré — amaldiçoado seja quem criou isto! — adolescentes, que não encaixavam em nada com sua personalidade diligente. Mas ela gostava dos sucos mágicos, dos adesivos com cheiro de morango, abacaxi, canela... Pouco se importava com o gloss mais bonito.
Se importava comigo, porém. No ápice de seus doze adoráveis verões, era imprescindível trazer-me suco de limão na varanda. Bolos de baunilha eram a especialidade do fim de tarde, principalmente se a mãe estava em casa para ajudar no forno. Eu preferia que não estivesse, porque aí poderia deixar que ela reclinasse o corpo púbere sobre o meu braço para ver melhor através do vidro, e deliciar-me em segredo com o veludo da pele.
Na sombra dos meus desejos, as vezes ansiava demais. Como quando vendo-a refrescar-se com a mangueira no gramado, naquele dia de verão, o corpo dourado num biquíni velho, meio manchado, das canelas aos braços arrepiada com o vento... Quase cedi. Éramos só nós, nos três mais perigosos dias de minha vida, mascarados com chinelos sobre a mesinha e o jornal da manhã. Mascarados como o dedicado padrasto e a extrovertida enteada.
Observando-a por sobre os óculos escuros, senti cada músculo do meu corpo enrijecer. Toda vez que ela se abaixava para alcançar um objeto no chão, eu queria gritar. Matava-me cada dia tocá-la sem realmente tocar. Matava-me não poder me aventurar por entre aquelas pernas morenas e macias, com cicatrizes que eu apontaria de olhos fechados. Seria fácil, a confiança cega de uma criança jamais poderia presumir maldade no meio de tanto amor.
Se eu pudesse cobri-la comigo, ah! Se pudesse deitá-la no sofá e sorver os lábios com sabor do último pirulito, alcançaria o êxtase antes mesmo de livrá-la do biquíni tenebroso. Os joelhos ossudos se dobrariam conforme os apelos do corpo pequeno, as mãos raladas juntariam-se as minhas e juntos teríamos o deleite profundo do amor. No final, o último gemido com a voz fina escaparia de seus lábios, os botões de seios deixariam sair o último jorro de ar e eu iria cheirar o xampú de camomila nos cabelos irremediavelmente soltos...
E então ela deixaria de ser tudo o que é. Aquela adorável menina de cicatrizes nas canelas, entenderia o coito, entenderia as maldades das carícias que antes eu fiz e que pareceram totalmente inofensivas. Na minha mente, eram todas recheadas de suor e sêmen. Então haveria maldade também no olhar dela, e apreciando cada uma dessas coisas, tornaria-se aberta a outro predador. Não! Nunca! Jamais outro a teria! Antes preferia morrer eternamente de solidão ao vê-la deixar toda a natureza de ninfeta e tornar-se uma histérica adolescente, do que outro homem sugando o frescor de sua alma infantil.
A tentação quase me fez violá-la, como faz ainda quando os meus instintos sombrios estão inflamados. Ela era minha, e permaneceria como minha até que, sem nunca saber, me deixaria para morrer na memória do que um dia foi.
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