Segunda-feira á tarde, centro fervilhando de gente, um calor de
matar. A mãe arrastava o filho pelo braço, resmungando sobre as amenidades e
injustiças do cidadão de bem, alheia a história que o menino contava sobre uma
aventura na escola, e como seria bom ter passeios nos bosques todos os dias.
Quando disse que queria virar explorador um dia, ela parou, soltou-o e o olhou carrancuda. Em seguida se abaixou, repuxou os lábios, e disse em
desaprovação:
- Que explorador
o que, menino! Isso é coisa de vagabundo, você tem que trabalhar com alguma
coisa de verdade!
O menino baixou
os olhos e ficou com aquilo na cabeça por todo caminho até a casa.
Em outra tarde,
foram à feira. Depois de comprar alfaces e cebolas, o menino fez as contas e
viu que o moço tinha que devolver cinco reais, mas na verdade devolveu seis e a
mãe guardou do mesmo jeito, ainda que tenha lhe puxado a saia e avisado depois.
Porém, não perguntou, porque ela sempre dizia que “um real não tem problema”,
ou algo que acalmasse igualmente a consciência.
Em casa não era
diferente. O pai era o tipo de homem que achava que a mulher tinha que cuidar dos filhos, fazer
todo o serviço de casa e ainda deixar a janta pronta na mesa para quando
chegasse, e ai se não o fizesse. Ele também, tinha que se comportar como homem.
A única vez que se aproximou de uma boneca, Deus do céu, tomou uma surra tão
grande que chegou a ficar com o traseiro inchado por dias. Umas cervejinhas a
noite para acalmar todo o estresse do trabalho e igreja aos domingos, para
construir a moral da família cristã em prol do pós-vida.
Acabou que o
menino virou um adolescente amargurado, enraivecido. Quis virar pintor, mas era
escurraçado, puxado para trás. E quando fez amizade com um colega que era preto
e gay? “Não é que eu tenha
preconceito, mas...”, a mãe dizia. O pai culpava o teatro, o vídeo-game, a
televisão... Nem os livros escapavam. Ele era um vagabundo, que não prestava
para nada, e se envolvia com gente da pior espécie. Um desperdício. Ter um
filho desse tipo não valia a pena, apenas decepções. E depois de tudo que
haviam feito!
Anos depois de
ter virado adulto, os pais não entenderam quando receberam a notícia. Ir a
Corte? Eles? Uma família exemplo? Um absurdo. Quando foram, e ouviram que o
filho estava sendo acusado de espancar a mulher, dirigir alcoolizado, racismo, homofobia e
agora, ainda por cima, roubar, a mãe se virou em prantos para o pai e encostou
em seu ombro.
- Onde foi que eu
errei ao criar esse menino, meu deus do céu?
Ao que o pai
respondeu:
- Esse menino já
nasceu assim. Tem gente que não tem jeito, já nasce ruim, e é isso que a gente
recebe!
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