terça-feira, 10 de maio de 2011

Lágrimas no paraíso

            É estranho – quase irreal – olhá-la agora tão de longe, sem poder de forma alguma tocá-la. Não é como numa foto ou um quadro, é mais um tipo de sentimento nostálgico e doloroso, sem deixar de ser, ao mesmo tempo, feliz. Feliz por vê-la viver, apesar da tristeza que claramente assola seu coração.
            No momento em que dito estas palavras fazem exatamente trinta e duas horas, vinte e seis minutos e quarenta segundos que morri. Supõe-se que eu deva ter seguido a luz, ido para um caminho melhor. Porém, não.
            Eu não posso sair daqui.
            Acalme-se, não precisa imaginar milhões de coisas malucas como eu não ter encontrado o caminho correto ou algo semelhante. Eu sei o caminho, mas não posso ir. Não enquanto não tiver a certeza de que ela estará bem o suficiente para seguir sozinha.
            A última vez em que nos vimos não estávamos brigadas, igual geralmente acontece nos filmes. Foi pior. Estávamos bem, felizes, finalmente tínhamos conseguido viajar para Cancun sem maiores problemas como finanças e trabalho. Mesmo porque a gente não se matava de trabalhar para acumular montes e montes de dinheiro e morrer sem aproveitar a vida. A gente trabalhava, bem verdade, mas não fazíamos daquilo a essência da nossa vida. Nossa vida era mais: era o verde da grama, o azul do céu.
            Fazia dois anos que havíamos decidido morar juntas. Enfrentamos conflitos desagradáveis com nossas famílias, coisas detestáveis que não vale à pena narrar, mas no fim realizamos a primeira e me arrisco dizer, a mais importante meta em nossas vidas. Compramos um apartamento na minha cidade, em Minas, e frequentemente viajávamos a São Paulo para ver a família dela, sempre bem recebidas pelo irmão mais novo, que gostava de acima de tudo jogar vídeo game comigo. Confesso ser uma das coisas mais divertidas que já fiz. É diferente quando se tem alguém para falar de jogos e tudo mais.
            Um par de anos se passou, com as mais variadas brigas pelos mais variados motivos imagináveis, assim como as mais variadas formas de carinho. Conseguimos viajar a Cancun e prometi passar uma semana na casa dela, junto à família. No mesmo dia em que chegamos, todas as fotos tiradas na viagem foram prontamente reveladas – fotos que agora ela não separa do peito – e guardadas num álbum que levaríamos de volta para casa.
            Mas as coisas desandaram.
            Era noite de quinta-feira, vínhamos eu e o irmãozinho dela pela calçada à noite. Aparentemente ele tentara entrar em uma boate com identificação falsa e, para não levar bronca da mãe e da irmã, resolveu me ligar. Peguei o carro e fui buscá-lo, rindo enquanto tentava imaginar um meio de passar-lhe um sermão sem ser má demais. Por mim não falava nada, afinal que garoto de dezesseis anos não tenta fazer uma dessas? Mas como boa namorada da irmã deveria dizer alguma coisa. Estacionei e fui buscá-lo na porta do lugar, e durante a volta fomos abordados por dois homens.
            Mandei que ele ficasse atrás de mim e perguntei o que os homens queriam. Eles disseram dinheiro e todos os bens de valor. Entreguei tudo o que tinha, mas os homens aparentemente estavam alucinando e cismaram em mexer com o menino. Disse-lhes que o deixassem em paz e mandei-o correr para o carro e buscar ajuda, que eu ficava e resolvia. Assustado, o coitado foi.
            E os homens não gostaram.
            Os dois tiraram, cada um, uma pistola de dentro da camisa. Eu disse que não tinha mais o que dar, então um deles veio para cima de mim e, quando tentei me defender, o outro atirou. Bem no peito.
            Só me vi, então, trinta e duas horas atrás, ao me separar do corpo.
Apesar disso, mesmo apagada, o tempo todo eu a senti ao meu lado.
Senti-a pousar a mão quente sobre a minha fria, e até mesmo rezar para uma divindade que ela nem mesmo acreditava. A mulher que mais amei no mundo estava desesperada e arrasada por minha causa.
            Então ela chorou.
            Jamais, em todos os anos que a conheço, vi uma lágrima sequer rolar pelo rosto bonito. Mas a partir da primeira lágrima, vieram outras que só secaram quando não havia mais nenhuma para chorar.
            Senti também que, quando morri, a alma dela morreu junto comigo. E veja, eu jamais poderia aceitar algo tão trágico para uma moça viva como ela. A partir disso resolvi ficar e zelar por ela até que conseguisse seguir em frente. O máximo que posso fazer é aparecer-lhe em sonhos e soprar conselhos aos quatro ventos, mas ela jamais foi de desistir, portanto sei que passará por cima de tudo.
            Mente aquele que diz que a dor passa com o tempo. Ela não passa, ela aumenta. Porém somos obrigados a passar por cima dela e seguir em frente, caso contrário nos consumirá por inteiro e então o que se haverá de fazer?
            Eu confio naquela moça. Eu a amo. Assim como sei que me ama também, e quanto tiver de mim apenas uma lembrança feliz guardada no coração, partirei para o futuro que me espera do outro lado.
            Não será em dois ou três dias. Serão meses, até um ano, mas tenho a absoluta certeza de que a mulher que eu amo passará por cima da dor e seguirá em frente. Com outros afetos, outros amores. Nela, estarei viva eternamente enquanto tiver-me em seu coração, pois ela, independente de para onde eu vá, sempre estará no meu.
            Vendo-a, agora, me vêm algumas coisas na cabeça – o amor é uma forma de violência que nos ensina a viver.
Uma forma de lembrança que nos mantém vivos.
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Fiz esse conto pra um concurso, mas perdi o tempo limite de enviá-lo, então resolvi postar. Enjoy it o/

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