segunda-feira, 11 de julho de 2011

A Outra

Paz... Eu quero paz. Já me cansei de ser a última a saber de ti...

Apoiou-se na beirada da janela, fitando o nada que era seu interior.
- Onde esteve?
Silêncio.
- Por aí.
Fechou os olhos. O frescor do perfume de noite, algo de misterioso e afrodisíaco, encheu-lhe. Sorriso escarlate, mãos que não lhe pertenciam sob o cobertor de inverno. Felicidade.

Se todo mundo sabe quem te faz chegar mais tarde. Eu já cansei de imaginar você com ela - diz pra mim...

Um ímpeto de raiva lhe subiu. Porém, estava cansada demais para erguer a voz, o orgulho. Os sentimentos não se acompanhavam em velocidade, só em volume. Sufocante.

... se vale a pena, amor.

As unhas se enterraram nos braços cruzados sobre o parapeito, tanto sem poder gritar quando conter o que sentia. Seu peito inflamava.
- Eu te odeio.
Deitou a testa nos braços, o nó na garganta prendendo-lhe a respiração. Não queria chorar.

A gente ria tanto desses nossos desencontros, mas você passou do ponto e agora eu já não sei mais...

Lembrou-se do dia em que uma bela atendente de loja, sem dar grande importância aos valores morais, aproximara-se furtiva e repleta de intenções da pessoa comprometida que lhe acompanhava enquanto distraidamente olhavam calças jeans.
Uma piscadela, telefone por baixo dos panos - literalmente - e um sorriso encantador de vendedora. Quieta, ela observava tudo atentamente, com uma pontada de ciúmes no peito. No entanto, a forma como a pessoa que lhe acompava reagiu, sem saber o que dizer, tentando explicar que não tinha interesse, fê-la explodir em gargalhadas. No final do dia, ambos riam calorosamente na varanda, com comentários entre "Você tinha que ver sua cara!" e "Você estava se mordendo de ciúmes!"
Sorriu melancolicamente. A lágrima que tanto evitara despontou do coração e por fim desaguou nos olhos. Quis que aqueles tempos, os tempos de felicidade onde tudo era sempre caloroso, voltassem.

Eu quero paz...

Observou o movimento dos carros lá embaixo. Queria firmemente estar naquele asfalto, junto aos carros e as outras pessoas. A altura lhe parecia uma amiga há muito distante que agora a chamava para um abraço reconfortante. Pensou que talvez voasse.

Quero dançar com outro par, pra variar, amor...

Tivera tantas oportunidades, tantas chances, e ainda assim nunca, que os Deuses a perdoassem pela estupidez, nunca quis por um só instante acolher-se nos braços de outro alguém. Agora, arrependia-se. Deveria ter violado a fidelidade que juraram, deveria ter simplesmente se deixado levar e então talvez não se sentisse tão enganada como agora. 
Talvez o ar pudesse ser seu novo amante. 

Não dá mais pra fingir que ainda não vi as cicatrizes que ela fez...

A primeira lágrima veio com outra e em pouco a visão tornou-se turva. Não fazia diferença, pois já não precisava dela naquele momento. A dor não se sente com os olhos, muito menos a do outro. A dor que sentia pertencia a quem lhe observava silenciosamente pelas costas. 
Noites em claro na varada do apartamento, olhares distantes. "O que 'tá acontecendo com você? Conversa comigo, por favor" e implorar, mais uma vez, não adiantava. Nem uma só palavra escapava por aqueles labios que tanto ansiou, e de alguma forma sentia que elas não eram necessárias. Sabia por quem o sofrimento arrebentava o peito. 

... se dessa vez ela é senhora desse amor

Seu coração batia forte, quebradiço. Contava os minutos até que ele enfim se partisse por inteiro. Desde quando aquele coração que bombeava no seu peito já era o seu novamente, devolvido aos socos para si enquanto o da pessoa que amava lhe era arrancado sem nem um aviso?
Desde quando ela já não era parte de tudo?
Ergueu o queixo, deixando os lábios livres.

Pois vá embora, por favor, que não demora pra essa dor...

A coragem para se virar lhe faltava, mas concentrou a que tinha nas palavras. Esforçava-se para que saíssem seguras, e não trêmulas como as sentia.
- Saia daqui. Jamais quero rever seu rosto, entendeu? Jamais! Vá embora!
Sem perceber, gritava. Do que lhe adiantava se controlar quando já tinha perdido tudo? Os punhos estavam apertados, as lágrimas corriam livremente da bochecha ao pescoço até cair para a escuridão e as pernas bambearam.
Os passos atrás de si hesitaram, porém, inevitavelmente seguiram para a porta. Lá pôde ouvir pararem mais uma vez.
- Adeus - A voz oca lhe disse, e bateu a porta. Caiu de joelhos, o rosto afundado nas mãos. Sentia que seu coração, finalmente, havia se destruído.

... sangrar


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A Outra - Los Hermanos

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